A regulamentação da Reforma Tributária proposta por deputados federais — que vem sendo discutida na Câmara dos Deputados — deve empurrar motoristas de aplicativos para a formalização como microempreendedores ou pequenos empresários, na avaliação de integrantes do governo. Isso iria de encontro à proposta da própria União para a regulamentação do trabalho em plataformas, que já tramita no Congresso Nacional.
A explicação de técnicos do Executivo e especialistas é que as próprias empresas de aplicativos se tornarão responsáveis pelo recolhimento do IBS e CBS em cada corrida, caso os motoristas não se formalizem, o chamado contribuinte solidário.
Isso porque o novo sistema de impostos não tributa pessoas físicas, apenas jurídicas. Se as empresas recolherem o IVA, será no valor da alíquota padrão de 26,5%, e isso poderá ampliar o custo das corridas. Como MEIs, por exemplo, o recolhimento seria de aproximadamente R$ 3 por corrida.
— Se o motorista é informal, ele é pessoa física, que não é contribuinte. Neste caso, a empresa seria a contribuinte com alíquota cheia (estimada em 26,5%) no lugar dele. Porque na ausência da identificação do fornecedor em regime especial, tem que se cobrar a alíquota cheia, própria do regime do IVA – avalia o tributarista Heleno Torres.
Nanoempreendedores
Para os motoristas que faturarem até R$ 40,5 mil ao ano, eles serão enquadrados automaticamente como nanoempreendedores, não precisarão recolher IBS e CBS e nem se formalizar, conforme o texto de regulamentação da Reforma Tributária divulgado pelos deputados do Grupo de Trabalho na Câmara.
Quem deixar a categoria de isenção poderá entrar no Simples Nacional, que terá as regras de recolhimento mantidas e, portanto, pagará alíquotas menores.
Enquadrados como MEIs
Para aqueles que ganharem acima de R$ 40,5 mil e até R$ 81 mil, poderão ser enquadrados como MEIs (Microempreendedores Individuais) e recolher dentro dos limites do formato.
A Fazenda estima que o valor para a categoria deva ser de R$ 3 em IBS e CBS, equivalente ao recolhido hoje em ISS e ICMS. Se o motorista ganhar acima de R$ 81 mil, o enquadramento será progressivo, conforme os enquadramentos do Simples Nacional, até o limite de R$ 4,8 milhões.
Cobrança sobre o valor total da corrida
Na lógica do novo sistema de impostos, quem paga o tributo é o consumidor final, com o tributo recaindo uma única vez sobre o serviço comprado — as empresas que recebem o pagamento são responsáveis por repassar esse tributo ao governo.
Dessa forma, uma corrida de R$ 100, por exemplo, poderia custar R$ 103 ao consumidor final, caso o motorista seja um MEI, fora a margem de lucro da plataforma.
Mas se o motorista não for formalizado com um CNPJ, a plataforma terá que ser responsável pelo recolhimento do motorista. Neste caso, recairia 26,5% e a corrida de R$ 100 sairia R$ 126,50 ao consumidor final, fora a margem de lucro da plataforma.
— O IBS e a CBS serão destacados na nota fiscal por fora da operação, então será o preço da corrida mais os tributos, o que deixa claro para o consumidor final que são eles que estão pagando o IBS/CBS. Os tributos devem repercutir ao consumidor final, porque essa é a lógica do IVA — disse a tributarista e pesquisadora do IVA Melina Rocha.
Empresas falam em preocupação
As plataformas, no entanto, já consideram descontar parte desse imposto do valor repassado ao motorista, já que são as empresas que determinam o custo do serviço e não os motoristas. A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa a Uber e 99, afirma ver com preocupação o enquadramento de motoristas e entregadores por aplicativo como contribuintes do CBS/IBS e os submete às respectivas alíquotas sobre seus ganhos brutos, ou seja, sem descontar seus gastos para dirigir, como combustível e manutenção do veículo.
A Amobitec afirma ainda que o enquadramento poderá produzir impacto significativo na renda de motoristas e entregadores por aplicativos e no preço do serviço ao consumidor.
A pesquisadora Melina Rocha, que auxiliou o Ministério da Fazenda na confecção da Reforma Tributária, lembra que plataformas de transportes ao redor do mundo passaram a cobrir um formalizaram dos motoristas com CNPJ já no cadastro.
— Esse tipo de regra existe em diversos locais no mundo. Em países como o Canadá, empresas já obrigam o motorista a ter um cadastro de contribuinte (CNPJ) ao se registrar na plataforma – disse.
Tributaristas, porém, divergem sobre o pagamento do contribuinte solidário ser uma alíquota cheia, ou uma alíquota menor. Para o advogado tributarista Halley Henares, a plataforma pode justificar à Receita Federal que a receita acumulada pelo motorista foi baixa, e por isso, o recolhimento deveria ser menor.
No entanto, ele admite que tanto a possibilidade de serviços mais caros ao consumidor, quanto a dor de cabeça para justificar um fornecedor informal, vai levar as empresas de aplicativos a solicitarem a formalização dos motoristas
— Vai gerar uma pressão para as plataformas formalizarem para não serem substitutas na responsabilidade tributária. A legislação é imprecisa nesse aspecto e pode gerar margem para empresas serem penalizadas ou judicializadas — afirmou.
Conflito entre formalizações
O projeto do governo Lula para tornar os motoristas de aplicativos contribuintes previdenciários, que tramita no Congresso Nacional, conflita com o texto da Reforma Tributária. O projeto de lei complementar proíbe motoristas que escolherem a categoria de se tornarem MEIs.
O texto do Ministério do Trabalho, porém, não prevê a cobrança de IVA sobre os serviços dos motoristas. Logo, se eles não se formalizarem como microempresários ou empreendedores individuais, não será possível o recolhimento do valor mais baixo da alíquota do IVA.
Margem das plataformas
Além da tributação sobre o serviço do motorista, as empresas das plataformas de transporte também precisarão recolher o IVA sobre a margem de lucro em cima do serviço de intermediação entre motoristas e passageiros. Ou seja, se uma corrida é R $100, e a margem da empresa for de R$ 10, incidirá um IVA padrão sobre esse valor, resultando em uma cobrança subtotal de R$12,65 (levando em conta um IVA de 26,5%).
Outras plataformas
As plataformas de comércio on-line, como Amazon, Shopee, Mercado Livre, que funcionam como intermediadoras de lojas fora do país, também terão de contribuir por essas empresas, já que são estrangeiras. Na prática, o produto que vem da China, por exemplo, terá o acréscimo de 26,5% ao consumidor final, sem contar o imposto de importação.
Fonte: Extra
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